sexta-feira, julho 28, 2006

GEGO I desafiando estruturas

Museu de Serralves I 28 jul a 15 out 2006

"Só com metal posso transportar aquilo que é transparente, e isso inclui o espaço em volta da escultura, a fim de o o incorporar na propria obra."
Gego


As esculturas e desenhos de Gego são mãos de arame, que com a sua delicadeza e flexibilidade abraçam o espaço vazio, e dão legibilidade ao palco onde acontece a mais infinita das danças.

raimundo gomes I 07 I 2006

quarta-feira, julho 26, 2006

A Concha

A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos

E telhados de vidro e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.

A minha casa… Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentando numa pedra de memória.

Vitorino Nemésio in “Bicho Harmonioso”

Um abraço de agradecimento ao meu amigo António Brás, que teve a gentileza de enviar-me este poema.

terça-feira, julho 18, 2006

Só se existe uma vez.

Entro no palco. Sou um actor cuja peça que queria ter ensaiado, não ensaiei.

Estou no palco e apenas sinto o que não sei. O peso deste fardo devia-me paralisar, mas deixa-me leve.

Os olhares dos espectadores possuem uma força e pela primeira vez percebo-a. São agora os braços que dão forma e movimento aos meus braços.

A satisfação das palmas esmaga a sala. Após ter perdido o meu ego e o meu corpo se ter esvaziado, sinto o cheio da ausência. Larguei as minhas próprias mãos e senti-me abraçado.

Perdi a memoria até do presente. Compreendo que só se pode ser actor uma vez, que só se existe uma vez.


raimundo gomes I 2006

Não poder viver se não uma vida é pura e simplesmente como não viver.

KUNDERA, Milan, A insustentável leveza do ser, Publicações Dom Quixote, 27º edição, Lisboa, 2005, p.17

sábado, julho 15, 2006

Poética (I)

De manhã escureço
De dia Tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo
Eu morro ontem.

Nasço amanhã
Ando onde há espaço
- Meu tempo é quando.

DE MORAES, Vinicius, O Operário em Construção, Publicações Dom Quixote, Selecção e Prefácio de Alexandre O´Neill, Lisboa, 2001, p.126.

domingo, julho 02, 2006

A Experiência do Lugar II


Helena Almeida, A Experiência do Lugar II, 2004, videostill.

ROSTO (às vezes o meu)

raimundo gomes I 2003

ARTE POÉTICA

Olhar o rio que é de tempo e água
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que os rostos passam como a água.

Sentir que a vigília é outro sono
Que sonha não sonhar e que a morte
Que teme a nossa carne é essa morte
De cada noite, que se chama sono.

Ver no dia ou até no ano um símbolo
Quer dos dias do homem quer dos anos,
Converter a perseguição dos anos
Numa música, um rumor e um símbolo,

Ver só na morte o sono, no ocaso
Um triste ouro, assim é a poesia
Que é imortal e pobre. A poesia
Volta como a aurora e o ocaso

Às vezes certas tardes uma cara
Olha-nos do mais fundo dum espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela a nossa própria cara.

Contam que Ulisses, farto de prodígios
Chorou de amor ao divisar a Ítaca
Verde e humilde. A arte é essa Ítaca
De verde eternidade e não prodígios.

Também é como o rio interminável
Que passa e fica e é cristal dum mesmo
Heraclito inconstante, que é o mesmo
E é outro, como o rio interminável.



BORGES, Jorge Luís, Poemas Escolhidos, Publicações Dom Quixote, Edição bilingue, selecção feita pelo autor, tradução de Ruy Belo, Lisboa, 2003, pp 63 e 65.