"É um filme sobre o vazio. Sobre gente no limbo à procura do seu lugar na vida.Somewhere anda às voltas sem sair do mesmo sítio - tal como Sofia Coppola. E isso, neste caso, é bom
Sofia Coppola está habituada ao escrutínio dos holofotes - como se não bastasse ser filha de quem é, quem assina Lost in Translation - o Amor é um Lugar Estranho, um dos primeiros filmes seminais do século XXI, ergue inescapavelmente as expectativas a uma fasquia difícil de manter.
Daí que, quatro anos depois de uma Marie Antoinette que dividiu as águas e levou alguns a chamarem-lhe mulher de um só filme, o primeiro frisson inevitável da competição do Festival de Cinema de Veneza seja Somewhere.
O filme foi acolhido calorosamente - a idiossincrasia de Marie Antoinette foi perdoada, mesmo que não reencontremos aqui a inspiração do sublime Lost in Translation, mesmo que este filme que se diz ser o "mais pessoal" da filha Coppola seja no fundo mais uma variação sobre o seu tema habitual: gente no limbo à procura do seu lugar na vida.
Mas chegará isso para recuperar o estatuto?
Não sabemos. Apesar dos aplausos que receberam o filme na projecção de imprensa, estamos mesmo a ver muita gente a resmungar que Somewhere é mais um filme de menina rica sobre meninos ricos que não sabem o que fazer na vida.
É verdade. Lembrámo-nos, a certa altura, do episódio que Sofia escreveu para aHistória de Nova Iorque do pai Francis, há vinte anos, sobre uma menina rica que vive num hotel - e Johnny Marco, o actor desenraizado interpretado por Stephen Dorff que é o centro de Somewhere, vive no lendário Chateau Marmont de Los Angeles.
Lembrámo-nos, também, de Marie Antoinette, menina rica perdida num mundo que não dominava - e Johnny também está perdido, na cerveja, nas noitadas, no tabaco, no sexo fácil a toda a hora, nas lap dances ao domicílio, no superluxo dos hotéis e do tratamento VIP. Que não são "substitutos" de nada mas apenas maneiras de preencher o vazio.
Mas o que Sofia faz tão bem é precisamente fazer-nos sentir o vazio - viver o vazio. Dentro desta fachada de luxo não há nada e é preciso que haja alguma coisa, quanto mais não seja por Cleo, a filha adolescente que visita Johnny de vez em quando e acaba por lhe mostrar, imperceptivelmente, o que lhe falta.
E é preciso estar com atenção para ver o que falta. Somewhere é um filme de pormenores subterrâneos, planos longos e cores queimadas (rodadas e projectadas em película - o director de fotografia é Harris Savides, que assina aqui um segundo belo trabalho de Los Angeles em filme depois do Greenberg de Noah Baumbach). É o filme mais despojado, mais austero, mais "vazio" de Sofia - e esse despojamento é o exacto oposto da máquina da fama que Somewhere retrata com um misto impiedoso de melancolia e humor que fere onde dói mas que não julga. Contudo, o próprio filme presta-se a essa máquina, ao estar a concurso num festival tão mediaticamente VIP como Veneza.
A ironia não se perde: ao nosso lado na projecção está uma jornalista italiana louríssima, impecavelmente produzida, que logo antes do filme começar pega no espelho para ver como está o cabelo, bufa aborrecida um par de vezes ao longo do filme e, assim que as luzes sobem, saca da bolsa para retocar a maquilhagem.
Há, evidentemente, algo de rebelde num filme que morde (mesmo que gentilmente) a mão que lhe dá de comer, de menina rica que se queixa sobre como é chato ser uma menina rica. Mas são essas contradições que alimentam a tensão do cinema de Sofia e, sobretudo, de Somewhere.
E, como em todos os filmes de Sofia, é nesse vazio onde nada parece acontecer que tudo acontece - por camadas, por acumulação de pequenos nadas que constroem uma história pontilhista.
É legítimo perguntar: estaríamos a prestar tanta atenção a Somewhere se fosse outra pessoa (digamos, Vincent Gallo) a realizá-lo? Gostaríamos tanto? É uma pergunta sem resposta. Mas pensá-lo implica que Sofia é uma menina rica que só filma por ser filha de quem é. E o que faz de Somewhere um bom filme é precisamente isso: ninguém filma o vazio do sucesso como alguém que o conhece de dentro para fora. Alguém como Sofia Coppola. Ninguém filma o vazio do sucesso como alguém que o conhece de dentro para fora. Alguém como Sofia Coppola (à esquerda, imagem de uma das cenas de Somewhere)"
Daí que, quatro anos depois de uma Marie Antoinette que dividiu as águas e levou alguns a chamarem-lhe mulher de um só filme, o primeiro frisson inevitável da competição do Festival de Cinema de Veneza seja Somewhere.
O filme foi acolhido calorosamente - a idiossincrasia de Marie Antoinette foi perdoada, mesmo que não reencontremos aqui a inspiração do sublime Lost in Translation, mesmo que este filme que se diz ser o "mais pessoal" da filha Coppola seja no fundo mais uma variação sobre o seu tema habitual: gente no limbo à procura do seu lugar na vida.
Mas chegará isso para recuperar o estatuto?
Não sabemos. Apesar dos aplausos que receberam o filme na projecção de imprensa, estamos mesmo a ver muita gente a resmungar que Somewhere é mais um filme de menina rica sobre meninos ricos que não sabem o que fazer na vida.
É verdade. Lembrámo-nos, a certa altura, do episódio que Sofia escreveu para aHistória de Nova Iorque do pai Francis, há vinte anos, sobre uma menina rica que vive num hotel - e Johnny Marco, o actor desenraizado interpretado por Stephen Dorff que é o centro de Somewhere, vive no lendário Chateau Marmont de Los Angeles.
Lembrámo-nos, também, de Marie Antoinette, menina rica perdida num mundo que não dominava - e Johnny também está perdido, na cerveja, nas noitadas, no tabaco, no sexo fácil a toda a hora, nas lap dances ao domicílio, no superluxo dos hotéis e do tratamento VIP. Que não são "substitutos" de nada mas apenas maneiras de preencher o vazio.
Mas o que Sofia faz tão bem é precisamente fazer-nos sentir o vazio - viver o vazio. Dentro desta fachada de luxo não há nada e é preciso que haja alguma coisa, quanto mais não seja por Cleo, a filha adolescente que visita Johnny de vez em quando e acaba por lhe mostrar, imperceptivelmente, o que lhe falta.
E é preciso estar com atenção para ver o que falta. Somewhere é um filme de pormenores subterrâneos, planos longos e cores queimadas (rodadas e projectadas em película - o director de fotografia é Harris Savides, que assina aqui um segundo belo trabalho de Los Angeles em filme depois do Greenberg de Noah Baumbach). É o filme mais despojado, mais austero, mais "vazio" de Sofia - e esse despojamento é o exacto oposto da máquina da fama que Somewhere retrata com um misto impiedoso de melancolia e humor que fere onde dói mas que não julga. Contudo, o próprio filme presta-se a essa máquina, ao estar a concurso num festival tão mediaticamente VIP como Veneza.
A ironia não se perde: ao nosso lado na projecção está uma jornalista italiana louríssima, impecavelmente produzida, que logo antes do filme começar pega no espelho para ver como está o cabelo, bufa aborrecida um par de vezes ao longo do filme e, assim que as luzes sobem, saca da bolsa para retocar a maquilhagem.
Há, evidentemente, algo de rebelde num filme que morde (mesmo que gentilmente) a mão que lhe dá de comer, de menina rica que se queixa sobre como é chato ser uma menina rica. Mas são essas contradições que alimentam a tensão do cinema de Sofia e, sobretudo, de Somewhere.
E, como em todos os filmes de Sofia, é nesse vazio onde nada parece acontecer que tudo acontece - por camadas, por acumulação de pequenos nadas que constroem uma história pontilhista.
É legítimo perguntar: estaríamos a prestar tanta atenção a Somewhere se fosse outra pessoa (digamos, Vincent Gallo) a realizá-lo? Gostaríamos tanto? É uma pergunta sem resposta. Mas pensá-lo implica que Sofia é uma menina rica que só filma por ser filha de quem é. E o que faz de Somewhere um bom filme é precisamente isso: ninguém filma o vazio do sucesso como alguém que o conhece de dentro para fora. Alguém como Sofia Coppola. Ninguém filma o vazio do sucesso como alguém que o conhece de dentro para fora. Alguém como Sofia Coppola (à esquerda, imagem de uma das cenas de Somewhere)"
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